domingo, 20 de setembro de 2020
O seu smartphone é uma extensão da sua mente?
sábado, 19 de setembro de 2020
A mente não está presa no cérebro e se estende para muito além dele
Onde está sua mente? Onde seu pensamento ocorre? Onde estão suas ideias? René Descartes pensava que a mente era uma alma imaterial, alojada na glândula pineal perto do centro do cérebro. Hoje em dia, pelo contrário, tendemos a identificar a mente com o cérebro. Sabemos que os processos mentais dependem dos processos cerebrais e que diferentes regiões cerebrais são responsáveis por diferentes funções. No entanto, ainda concordamos com Descartes em uma coisa: ainda pensamos na mente como sendo (em uma expressão cunhada pelo filósofo da mente Andy Clark) limitada pelo cérebro [brainbound], isto é, como algo trancado na cabeça e que se comunica com o corpo e com o mundo, mas que se mantém separada destes. E isso pode estar muito errado. Eu não estou sugerindo que a mente não seja física ou duvidando que o cérebro seja central para sua existência; mas pode ser que (como Clark e outros argumentam) a mente se estenda para além do cérebro.
Para começar, há fortes motivos para se pensar que muitos processos mentais são essencialmente corporificados. A visão da mente como limitada ao cérebro [brainbound] retrata o cérebro como um poderoso executivo, planejando cada aspecto do comportamento e enviando instruções detalhadas aos músculos. Mas, como o trabalho em robótica demonstrou, existem maneiras mais eficientes de fazer as coisas, que a natureza quase certamente emprega. Os robôs mais biologicamente realistas já concebidos executam padrões básicos de movimento natural em virtude de sua dinâmica passiva, sem o uso de motores e comandos. O controle inteligente é alcançado através do monitoramento e da melhoria contínuos desses processos corporais, dividindo a tarefa de controle entre o cérebro e o corpo. De forma semelhante, ao invés de coletar passivamente informações para construir um modelo interno detalhado do mundo externo, é mais eficiente para o sistema de controle continuar ativamente sondando o mundo (para "usar o mundo como seu próprio modelo", aponta o roboticista Rodney Brooks), coletando apenas informações suficientes a cada momento para avançar na tarefa em questão. Essa estratégia depende essencialmente da atividade corporal.
Naturalmente, pensamos que estamos situados em nossas cabeças. Mas isso é por causa de como nossos sistemas perceptivos modelam o mundo e nossa localização nele (refletindo a localização de nossos olhos e ouvidos), mas não porque nossos cérebros estejam lá. Imagine (se não for muito assustador) ter seu cérebro vivo removido temporariamente do crânio, mantendo-se as conexões nervosas intactas, de forma que você possa segurá-lo e olhá-lo. Você [isto é, o seu "eu] ainda pareceria estar em sua cabeça, embora seu cérebro estivesse em suas mãos.
Se a mente não é limitada pelo cérebro ou pela pele, até onde ela vai? Qual é seu limite? A resposta curta é que não existe um limite - pelo menos não um limite estável. A mente se expande e se encolhe. Às vezes (no pensamento silencioso, por exemplo) a atividade mental está confinada ao cérebro, mas frequentemente ela se espalha pelo corpo e pelo mundo externo. A mente é uma coisa escorregadia, que não pode ser contida.
terça-feira, 15 de setembro de 2020
Reconhecer nossa humanidade em comum pode não ser suficiente para impedir o ódio
quarta-feira, 2 de setembro de 2020
Considerações sobre a campanha Setembro Amarelo
Setembro é o mês da campanha Setembro Amarelo, criada em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) juntamente com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Desde então, neste mês são organizados eventos e discussões por todo o país sobre saúde mental com foco na prevenção do suicídio. A ideia que embasa a campanha é que falar sobre suicídio - e, mais amplamente sobre saúde mental - de alguma forma contribuiria, direta ou indiretamente, para a redução dos casos. A grande questão é que esta ideia não está comprovada de forma alguma - existe a possibilidade, inclusive, de que a ampla discussão sobre o tema possa contribuir para o aumento nos casos de suicídio. Um estudo publicado este ano avaliou os índices de suicídio no Brasil antes e após o início da campanha, em 2015. E a conclusão dos autores é que houve um aumento - mesmo resultado obtido por um outro estudo, publicado em 2018, que analisou os índices de suicídio antes e após a implementação da campanha Setembro Amarelo no Estado de Santa Catarina. Não se pode inferir destes resultados, contudo, que foi ou teria sido a campanha a responsável por tais aumentos, mas é possível sugerir que a campanha não foi tão útil na prevenção do suicídio como se imaginava e se pretendia. Certamente o suicídio tem relação com muito mais questões do que a campanha, logo não dá para apontar qualquer relação de causalidade, apenas correlações. Mas para além de sua eficácia ou ineficácia, meu principal incômodo com a campanha Setembro Amarelo está na visão, amplamente disseminada, de que a "prevenção do suicídio" diz respeito basicamente à contribuir para que as pessoas procurem apoio psicológico e (especialmente) psiquiátrico. O problema do suicídio é bem mais profundo e complexo do que o problema de como incentivar as pessoas em sofrimento a buscar ajuda ou tratamento, pois ele diz respeito à indagação fundamental de se a vida vale ou não a pena ser vivida. E esta indagação é sempre atravessada por inúmeras questões, tanto individuais como sociais. "Mas então" - alguém pode estar se perguntando - "você propõe que não se faça nada e que apenas observemos passivamente o aumento nas taxas de suicídio?". De forma alguma. Apoio totalmente ações e eventos voltados para a discussão da saúde mental - sem o foco no suicídio e também sem aquele viés patologizante e medicalizante típico de grande parte das iniciativas - assim como o incentivo à procura por apoio profissional, que mesmo não sendo uma panaceia pode contribuir para minimizar o problema. E penso que estas ações deveriam ocorrer ao longo de todo o ano, e não concentradas em um único mês. Mas também acredito que outras iniciativas deveriam vir junto, como o apoio à políticas de emprego e renda, à políticas ampliadas e não-excludentes de saúde mental, à políticas de proteção dos direitos humanos e de combate às opressões, dentre muitas outras políticas voltadas para a melhoria das condições de vida e saúde da população. Da mesma é fundamental se opor com veemência à políticas de facilitação do acesso a armas de fogo - que comprovadamente contribuem para o aumento nas taxas de suicídio - e à tantas outras necropolíticas que tem se multiplicado pelo Brasil nos últimos anos. Na minha visão, fazer cartazes com frases motivacionais e organizar palestras sobre saúde mental terá sempre um efeito muito pequeno, talvez nulo, se tais iniciativas não vierem acompanhadas de políticas e ações concretas que contribuam para que a vida realmente valha a pena ser vivida.