Mais recentemente, tal explicação tem se misturado a outras narrativas que envolvem hormônios, neurônios e sinapses. A ideia básica é que a estrutura e o funcionamento do nosso cérebro seriam determinados ou fortemente influenciados pela dominância de certos hormônios. Se durante e após o período de gestação formos inundados por hormônios "masculinos" nos masculinizaremos - e teremos "cérebros masculinos"; se formos inundados por hormônios "femininos", nos feminizaremos - e teremos "cérebros femininos". Esta teoria explicaria tanto as características "típicas" masculinas e femininas quanto a existência de "homens feminilizados" e "mulheres masculinizadas", assim como dos(as) transexuais, que teriam uma espécie de dominância hormonal inversa à de seu sexo biológico original. Os hormônios seriam, assim, os grandes responsáveis por termos cérebros e comportamentos "masculinos" e "femininos". Repare bem nas aspas pois, de fato - como já apontei anteriormente - cérebros e hormônios não podem ser masculinos ou femininos; somente as pessoas, ou seja, os indivíduos como um todo, podem ser. A testosterona, por exemplo, é chamada de hormônio masculino por ser mais elevada nos homens; no entanto, as mulheres também possuem tal hormônio - assim como os homens possuem estrogênio, um hormônio "feminino". Da mesma forma, é equivocado falar em comportamento masculino ou feminino pois a forma como os homens e mulheres se comportam varia imensamente entre as culturas - e mesmo dentro da mesma cultura - assim como variou no decorrer da história. Os homens são mais agressivos e as mulheres mais dóceis? Depende. Alguns indivíduos se encaixam dentro deste estereótipo; outros não. Por mais que se queira generalizar, existem homens dóceis e mulheres agressivas e isto não significa que tais indivíduos não sejam homens e mulheres; significa apenas que eles não se encaixam nos estereótipos de gênero.
No sensacional livro Homens não são de Marte, mulheres não são de vênus, a psicóloga Cordelia Fine chama de neurossexismo justamente as interpretações dos achados neurocientíficos que naturalizam os estereótipos de gênero socialmente construídos. Como afirma a autora, "algumas pessoas usam a neurociência de uma maneira que ela foi frequentemente usada no passado: para reforçar, com toda a autoridade da ciência, estereótipos e papéis antiquados". E é justamente contra este discurso cerebralista e neurossexista que a autora volta sua mira. Felizmente ela não está sozinha neste empreitada. Desde 2010 um grupo de pesquisadoras que se descrevem como neurofeministas - que inclui a própria Cordelia Fine - vem se articulando em uma rede internacional denominada NeuroGenderings, cuja proposta, segundo a pesquisadora Marina Nucci, é “criticar o dualismo e a noção de dismorfismo sexual e discutir como fatos neurocientíficos sobre sexo e gênero são produzidos, chamando atenção para o contexto histórico, cultural e político e para as consequências éticas desses estudos”. Um dos principais focos desta rede é justamente combater o neurossexismo. Cabe salientar que as neurofeministas não pretendem efetivar tal "combate" simplesmente criticando as pesquisas neurocientíficas mas também, e especialmente, produzindo ciência - tanto que uma frase bastante repetida pelas pesquisadoras, e que dá título ao artigo de Nucci, é "Não chore, pesquise". Embora tais pesquisadoras sejam comumente taxadas de anti-neurociências a proposta delas não é simplesmente descartar a biologia, mas entender de que forma nosso sistema nervoso interage com o ambiente. O conceito de neuroplasticidade é extremamente importante nesse sentido, pois aponta para o entendimento de que nosso cérebro é moldado continuamente no/pelo mundo. Como afirma Fine em seu livro, "o nosso cérebro, como estamos começando a entender, é modificado pelo nosso comportamento, pelo nosso pensamento e pelo nosso mundo social. A nova perspectiva neuroconstrutivista do desenvolvimento do cérebro enfatiza o emaranhado simples e estimulante de uma contínua interação entre os genes, o cérebro e o ambiente". Para a autora, as diferenças entre os sexos/gêneros devem ser entendidas levando-se em conta esta permanente interação. E é por isso que, segundo este ponto de vista, seria equivocado dizer que homens são de Marte e mulheres são de Vênus. Não! Homens e mulheres habitam o mesmo mundo e são por ele formados - e suas diferenças não se devem simplesmente à ação dos genes e hormônios, mas sim a um complexo processo de interação entre biologia e cultura.
Observação: Um importante estudo publicado em 2015 no prestigioso periódico Proceedings of the National Academy of Sciences/PNAS apresentou fortes evidências de que embora existam algumas diferenças no funcionamento cerebral de homens e mulheres, tais diferenças não seriam suficientes para se falar em "cérebros masculinos" e "cérebros femininos" - isto porque haveriam também significativas diferenças entre os próprios homens e as próprias mulheres. Após realizarem exames de ressonância magnética no cérebro de mais de 1400 homens e mulheres e avaliarem tanto o volume de suas substâncias branca e cinzenta, quanto a quantidade de conexões neuronais e espessura do córtex cerebral, os pesquisadores concluíram que "embora existam diferenças de sexo/gênero no cérebro e no comportamento, humanos e cérebros humanos são compostos de 'mosaicos' únicos de características, algumas mais comuns em mulheres comparadas com homens, algumas mais comuns em homens em comparação com mulheres e algumas comuns em mulheres e homens. Nossos resultados demonstram que, independentemente da causa das diferenças observadas entre sexo/gênero no cérebro e no comportamento (natureza ou cultura), os cérebros humanos não podem ser categorizados em duas classes distintas: cérebro masculino/cérebro feminino" (veja aqui uma palestra TEDx da primeira autora deste artigo, a neurocientista e neurofeminista israelense Daphna Joel, falando sobre esta questão três anos antes deste estudo ser publicado - o video tem legendas em português, basta acioná-las). Comentando esta pesquisa, o psiquiatra Michael Bloomfield da University College London, afirmou o seguinte: "Se os resultados deste estudo forem replicados e relacionados ao pensamento e comportamento, este estudo não apoia a teoria de que os homens são de Marte e as mulheres de Vênus. Em vez disso, ele é uma evidência das ideias propostas pelo filósofo grego Platão e desenvolvidas pelo psiquiatra suíço Carl Jung, que nossas mentes seriam parte masculina e parte feminina".
No sensacional livro Homens não são de Marte, mulheres não são de vênus, a psicóloga Cordelia Fine chama de neurossexismo justamente as interpretações dos achados neurocientíficos que naturalizam os estereótipos de gênero socialmente construídos. Como afirma a autora, "algumas pessoas usam a neurociência de uma maneira que ela foi frequentemente usada no passado: para reforçar, com toda a autoridade da ciência, estereótipos e papéis antiquados". E é justamente contra este discurso cerebralista e neurossexista que a autora volta sua mira. Felizmente ela não está sozinha neste empreitada. Desde 2010 um grupo de pesquisadoras que se descrevem como neurofeministas - que inclui a própria Cordelia Fine - vem se articulando em uma rede internacional denominada NeuroGenderings, cuja proposta, segundo a pesquisadora Marina Nucci, é “criticar o dualismo e a noção de dismorfismo sexual e discutir como fatos neurocientíficos sobre sexo e gênero são produzidos, chamando atenção para o contexto histórico, cultural e político e para as consequências éticas desses estudos”. Um dos principais focos desta rede é justamente combater o neurossexismo. Cabe salientar que as neurofeministas não pretendem efetivar tal "combate" simplesmente criticando as pesquisas neurocientíficas mas também, e especialmente, produzindo ciência - tanto que uma frase bastante repetida pelas pesquisadoras, e que dá título ao artigo de Nucci, é "Não chore, pesquise". Embora tais pesquisadoras sejam comumente taxadas de anti-neurociências a proposta delas não é simplesmente descartar a biologia, mas entender de que forma nosso sistema nervoso interage com o ambiente. O conceito de neuroplasticidade é extremamente importante nesse sentido, pois aponta para o entendimento de que nosso cérebro é moldado continuamente no/pelo mundo. Como afirma Fine em seu livro, "o nosso cérebro, como estamos começando a entender, é modificado pelo nosso comportamento, pelo nosso pensamento e pelo nosso mundo social. A nova perspectiva neuroconstrutivista do desenvolvimento do cérebro enfatiza o emaranhado simples e estimulante de uma contínua interação entre os genes, o cérebro e o ambiente". Para a autora, as diferenças entre os sexos/gêneros devem ser entendidas levando-se em conta esta permanente interação. E é por isso que, segundo este ponto de vista, seria equivocado dizer que homens são de Marte e mulheres são de Vênus. Não! Homens e mulheres habitam o mesmo mundo e são por ele formados - e suas diferenças não se devem simplesmente à ação dos genes e hormônios, mas sim a um complexo processo de interação entre biologia e cultura.
Observação: Um importante estudo publicado em 2015 no prestigioso periódico Proceedings of the National Academy of Sciences/PNAS apresentou fortes evidências de que embora existam algumas diferenças no funcionamento cerebral de homens e mulheres, tais diferenças não seriam suficientes para se falar em "cérebros masculinos" e "cérebros femininos" - isto porque haveriam também significativas diferenças entre os próprios homens e as próprias mulheres. Após realizarem exames de ressonância magnética no cérebro de mais de 1400 homens e mulheres e avaliarem tanto o volume de suas substâncias branca e cinzenta, quanto a quantidade de conexões neuronais e espessura do córtex cerebral, os pesquisadores concluíram que "embora existam diferenças de sexo/gênero no cérebro e no comportamento, humanos e cérebros humanos são compostos de 'mosaicos' únicos de características, algumas mais comuns em mulheres comparadas com homens, algumas mais comuns em homens em comparação com mulheres e algumas comuns em mulheres e homens. Nossos resultados demonstram que, independentemente da causa das diferenças observadas entre sexo/gênero no cérebro e no comportamento (natureza ou cultura), os cérebros humanos não podem ser categorizados em duas classes distintas: cérebro masculino/cérebro feminino" (veja aqui uma palestra TEDx da primeira autora deste artigo, a neurocientista e neurofeminista israelense Daphna Joel, falando sobre esta questão três anos antes deste estudo ser publicado - o video tem legendas em português, basta acioná-las). Comentando esta pesquisa, o psiquiatra Michael Bloomfield da University College London, afirmou o seguinte: "Se os resultados deste estudo forem replicados e relacionados ao pensamento e comportamento, este estudo não apoia a teoria de que os homens são de Marte e as mulheres de Vênus. Em vez disso, ele é uma evidência das ideias propostas pelo filósofo grego Platão e desenvolvidas pelo psiquiatra suíço Carl Jung, que nossas mentes seriam parte masculina e parte feminina".