A produtora Lotje Sodderland tinha 34 anos e levava uma vida ativa e produtiva em Londres, na Inglaterra. Tudo ia bem até que, em um dia fatídico, ela é acometida por um terrível acidente vascular cerebral hemorrágico causado por uma má formação congênita em alguns vasos sanguíneos do seu cérebro (informação que ela desconhecia até então). Em função de tal derrame, que compromete uma significativa parcela de seu cérebro, Lotje fica com várias de suas habilidades de comunicação bastante prejudicadas. Ela não consegue mais falar com a fluidez de antes e também não consegue mais ler ou escrever. Além disso, sua visão e sua audição tornam-se muito diferentes: ela passa a enxergar e ouvir o mundo de uma forma completamente nova - e isto é sentido algumas vezes por ela com encanto e alegria e outras vezes com espanto e medo. Enfim, da noite para o dia, sua vida e sua subjetividade mudam radicalmente em decorrência desta grave lesão.
E isto para mim é uma evidência mais do que concreta de que a mente/subjetividade depende do cérebro para existir e é por "ele" afetada. Isto não significa, contudo, que se trate de uma relação de mão única, pois, sem dúvida alguma, a mente também afeta o cérebro (e o corpo como um todo). O efeito placebo e o impacto das terapias psicológicas são os exemplos mais evidentes disso, no entanto cabe apontar que a ideia de que "a mente afeta o cérebro" tem relação direta com o bastante disseminado - e já banalizado até - conceito de neuroplasticidade, que aponta justamente para o entendimento de que o cérebro (e por consequência o "eu") é moldado pelo mundo e pelo self em um processo contínuo e dinâmico de automodificação. Como aponto no meu livro (saiba mais e compre ele aqui), este conceito está relacionado à ideia de que o cérebro é mutável e maximizável. Mutável, no caso, toma pelo menos três sentidos: 1) o cérebro se desenvolve, naturalmente, modificando-se com o passar do tempo; 2) o cérebro altera sua configuração e suas conexões em resposta às influências ambientais e sociais e 3) o cérebro é capaz de alterar sua estrutura e função como resposta a uma lesão. Já a ideia de um cérebro maximizável aponta para o entendimento de que além de se alterar naturalmente e ser influenciado pelo ambiente, o cérebro pode (ou deve) ser exercitado ou treinado de forma a ampliar, potencializar, maximizar seu funcionamento. Propostas de ginástica cerebral - já amplamente disseminadas, ainda que carentes de embasamento científico - relacionam-se a este entendimento.
E isto para mim é uma evidência mais do que concreta de que a mente/subjetividade depende do cérebro para existir e é por "ele" afetada. Isto não significa, contudo, que se trate de uma relação de mão única, pois, sem dúvida alguma, a mente também afeta o cérebro (e o corpo como um todo). O efeito placebo e o impacto das terapias psicológicas são os exemplos mais evidentes disso, no entanto cabe apontar que a ideia de que "a mente afeta o cérebro" tem relação direta com o bastante disseminado - e já banalizado até - conceito de neuroplasticidade, que aponta justamente para o entendimento de que o cérebro (e por consequência o "eu") é moldado pelo mundo e pelo self em um processo contínuo e dinâmico de automodificação. Como aponto no meu livro (saiba mais e compre ele aqui), este conceito está relacionado à ideia de que o cérebro é mutável e maximizável. Mutável, no caso, toma pelo menos três sentidos: 1) o cérebro se desenvolve, naturalmente, modificando-se com o passar do tempo; 2) o cérebro altera sua configuração e suas conexões em resposta às influências ambientais e sociais e 3) o cérebro é capaz de alterar sua estrutura e função como resposta a uma lesão. Já a ideia de um cérebro maximizável aponta para o entendimento de que além de se alterar naturalmente e ser influenciado pelo ambiente, o cérebro pode (ou deve) ser exercitado ou treinado de forma a ampliar, potencializar, maximizar seu funcionamento. Propostas de ginástica cerebral - já amplamente disseminadas, ainda que carentes de embasamento científico - relacionam-se a este entendimento.
Lotje quer voltar a falar com fluidez, a ler, a escrever e para tanto se submete à todos os tratamentos ou intervenções disponíveis. O que ela quer, enfim, é voltar à vida de antes. Mas como irá descobrir aos poucos, não há retorno na vida, nem em casos como esse nem em qualquer outro caso. A vida segue para frente, inevitávelmente, nunca para trás. Como afirma o filósofo (e médico) Georges Canguilhem, em seu clássico livro O normal e o patológico, curar-se de uma doença não significa retornar ao passado, a uma certa "inocência orgânica" quando a doença não existia, mas sim criar uma nova forma de vida. "A vida não conhece reversibilidade", afirma Canguilhem. Isto significa que no processo de cura, como na vida, não há retorno, mas reconstrução e reinvenção. Da mesma forma, Lodje aos poucos perceberá que a vida que tinha antes não irá voltar, mas também se dará conta de que isto não é necessariamente ruim, ou pelo menos, não a tragédia que pareceu num primeiro momento. Nesta nova vida certamente algumas coisas se perderam ou, no mínimo, ficaram abaladas, mas para além deste lado negativo, há também a emergência de uma nova forma de ver e entender o mundo.
Além disso há a neuroplasticidade, isto é, a capacidade do cérebro de se modificar e reorganizar sua estrutura e funções após uma lesão. Isto significa que da mesma forma que curar não é um regresso ao passado, não seria totalmente adequado falar em regeneração como um retorno ao que era antes. Prefiro pensar na reabilitação como um processo de transformação - não somente de seu cérebro, mas também, e especialmente, de seu "eu". Neste sentido, todo o processo de reabilitação de Lotje pode ser encarado como um esforço de transfomar o seu cérebro de forma que ela consiga adquirir ou readquirir as habilidades de comunicação perdidas ou comprometidas. Certamente, a regeneração completa de tais habilidades não é a regra, especialmente quando uma grande parcela do cérebro ficou comprometida, mas uma regeneração ampla, ainda que parcial, é extremamente possível - como de fato ocorreu com Lotje, que aos poucos foi retomando sua fluência verbal, sua capacidade de ler e escrever (não como antes do derrame, claro, mas muito melhor que logo após). Enfim, neste processo de reabilitação vemos o surgimento de uma nova Lotje, com uma nova forma de ver e encarar a vida. Como ela própria afirmou em um texto publicado no jornal The Guardian, "eu vejo o meu derrame como uma espécie de renascimento; inesperado e doloroso, mas também vivo, cheio de propósito, significado e potencial". C'est La Vie.