sábado, 4 de maio de 2024

Consequências imprevisíveis: uma resenha do romance "Mate-me quando quiser"

"Mate-me quando quiser", primeiro romance da escritora brasileira Anita Deak, tem início com uma carta escrita por uma mulher - que é chamada durante toda a narrativa apenas de "a Mulher": "Caro Soares, Fico satisfeita de que já tenha recebido todo o dinheiro. Em anexo, estão a sua passagem para Barcelona e a minha fotografia. Abaixo, o endereço do hotel onde ficarei hospedada. Mate-me quando quiser, ou melhor, no dia que lhe convier dentro dos próximos quatro meses. A única coisa que peço é discrição. Você sabe quem eu sou, mas não quero saber quem você é". Pois este é o ponto de partida desse interessantíssimo thriller ambientado na cidade de Barcelona. Mas o que eu achei mais interessante não é nem propriamente essa ideia de retratar uma mulher que encomenda a própria morte para um matador de aluguel - numa espécie de terceirização do suicídio - mas sim como a história se desenrola a partir desta inusitada premissa. Achei fascinante como a narrativa construída pela autora segue por caminhos inesperados até sua conclusão, igualmente surpreendente. O que parecia inicialmente uma história sobre uma mulher desiludida com a vida, acaba se tornando uma narrativa sobre como nossos atos podem gerar (e com frequência geram) consequências imprevisíveis nas nossas próprias vidas e nas vidas das outras pessoas. Ao tomar a decisão de morrer e se mudar para Barcelona, levando no seu encalço um matador de aluguel, a Mulher acaba desencadeando uma série de efeitos e consequências imprevisíveis na vida dela própria, do matador Soares e também dos outros personagens, chamados pelo narrador apenas de "o Homem", "a Loira" e "a Morena". Eu até poderia tecer algumas críticas a algumas escolhas narrativas da autora - como por exemplo, à equivocada e antiética atuação da Mulher como psicanalista do Homem - mas, de uma forma geral, considero que tais escolhas não comprometem a história, que é muito bem contada e conduzida, do início até o final. Enfim, recomendo fortemente "Mate-me quando quiser", lançado em 2014 pela editora Gutenberg.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Homenagem ao professor Saulo de Freitas Araújo

Eu fiquei simplesmente devastado com a notícia do falecimento do grande professor Saulo de Freitas Araújo no dia de ontem, 2 de maio de 2024. Saulo era professor e pesquisador do departamento de psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde eu me formei em 2007, e ele sempre foi pra mim uma enorme referência acadêmica e intelectual - e também para muitas outras pessoas que se interessam pelos campos da história e da filosofia da psicologia. Mas ele foi também uma referência de gentileza e cuidado com seus alunos. Foi por conta de suas aulas, encantadoras - e também do seu fenomenal livro "Psicologia e Neurociência" - que eu me aproximei das discussões sobre o campo neuro, discussões estas que eu me aprofundei tanto no mestrado quanto no doutorado e que me mantenho imerso até hoje. No meu primeiro livro, "O cérebro vai à escola", fruto da minha dissertação, eu fiz questão de incluir um sincero agradecimento a ele, por ter "jogado a sementinha" de toda essa discussão lá na graduação. E felizmente eu tive a oportunidade, tempos atrás, de entregar meu livro pra ele e agradecê-lo presencialmente - e ele, como sempre, foi muito receptivo e gentil. Enfim, a psicologia brasileira perdeu hoje um dos grandes pesquisadores da área da história da psicologia e um dos maiores especialistas mundiais na obra do fundador da psicologia, Wilhelm Wundt - e foi por conta de sua pesquisa de doutorado sobre Wundt, publicada depois como livro, e de outros estudos por ele realizados ao longo dos anos, que ele recebeu em 2013 (tendo sido o primeiro sul-americano a receber) o importante prêmio Early Career Award, concedido pela divisão de História da Psicologia da Associação Americana de Psicologia (APA). Mas o departamento de psicologia da UFJF também perdeu hoje um grande professor, colega e amigo. E eu perdi uma das minhas principais referências acadêmicas, intelectuais e de vida. Vá em paz, querido Saulo. E muito obrigado por tudo!