quinta-feira, 31 de dezembro de 2020
Melhor filme de 2020: "O som do silêncio"
Melhor livro de não-ficção de 2020: "Talvez você deva conversar com alguém"
quarta-feira, 30 de dezembro de 2020
Racismo sem fim: uma resenha do livro "Eu, Tibuba: bruxa negra de Salem"
quarta-feira, 16 de dezembro de 2020
O cérebro cria a a realidade? Uma resenha crítica do livro O verdadeiro criador de tudo
Quando o cérebro falha: uma resenha do livro No labirinto do cérebro
Com o cérebro em mente: uma resenha do livro Mentes, cérebros, almas e deuses
Remediando a vida: uma resenha do livro Meu ano de descanso e relaxamento
O preço da "inteligência": uma resenha do livro Flores para Algernon
domingo, 20 de setembro de 2020
O seu smartphone é uma extensão da sua mente?
sábado, 19 de setembro de 2020
A mente não está presa no cérebro e se estende para muito além dele
Onde está sua mente? Onde seu pensamento ocorre? Onde estão suas ideias? René Descartes pensava que a mente era uma alma imaterial, alojada na glândula pineal perto do centro do cérebro. Hoje em dia, pelo contrário, tendemos a identificar a mente com o cérebro. Sabemos que os processos mentais dependem dos processos cerebrais e que diferentes regiões cerebrais são responsáveis por diferentes funções. No entanto, ainda concordamos com Descartes em uma coisa: ainda pensamos na mente como sendo (em uma expressão cunhada pelo filósofo da mente Andy Clark) limitada pelo cérebro [brainbound], isto é, como algo trancado na cabeça e que se comunica com o corpo e com o mundo, mas que se mantém separada destes. E isso pode estar muito errado. Eu não estou sugerindo que a mente não seja física ou duvidando que o cérebro seja central para sua existência; mas pode ser que (como Clark e outros argumentam) a mente se estenda para além do cérebro.
Para começar, há fortes motivos para se pensar que muitos processos mentais são essencialmente corporificados. A visão da mente como limitada ao cérebro [brainbound] retrata o cérebro como um poderoso executivo, planejando cada aspecto do comportamento e enviando instruções detalhadas aos músculos. Mas, como o trabalho em robótica demonstrou, existem maneiras mais eficientes de fazer as coisas, que a natureza quase certamente emprega. Os robôs mais biologicamente realistas já concebidos executam padrões básicos de movimento natural em virtude de sua dinâmica passiva, sem o uso de motores e comandos. O controle inteligente é alcançado através do monitoramento e da melhoria contínuos desses processos corporais, dividindo a tarefa de controle entre o cérebro e o corpo. De forma semelhante, ao invés de coletar passivamente informações para construir um modelo interno detalhado do mundo externo, é mais eficiente para o sistema de controle continuar ativamente sondando o mundo (para "usar o mundo como seu próprio modelo", aponta o roboticista Rodney Brooks), coletando apenas informações suficientes a cada momento para avançar na tarefa em questão. Essa estratégia depende essencialmente da atividade corporal.
Naturalmente, pensamos que estamos situados em nossas cabeças. Mas isso é por causa de como nossos sistemas perceptivos modelam o mundo e nossa localização nele (refletindo a localização de nossos olhos e ouvidos), mas não porque nossos cérebros estejam lá. Imagine (se não for muito assustador) ter seu cérebro vivo removido temporariamente do crânio, mantendo-se as conexões nervosas intactas, de forma que você possa segurá-lo e olhá-lo. Você [isto é, o seu "eu] ainda pareceria estar em sua cabeça, embora seu cérebro estivesse em suas mãos.
Se a mente não é limitada pelo cérebro ou pela pele, até onde ela vai? Qual é seu limite? A resposta curta é que não existe um limite - pelo menos não um limite estável. A mente se expande e se encolhe. Às vezes (no pensamento silencioso, por exemplo) a atividade mental está confinada ao cérebro, mas frequentemente ela se espalha pelo corpo e pelo mundo externo. A mente é uma coisa escorregadia, que não pode ser contida.
terça-feira, 15 de setembro de 2020
Reconhecer nossa humanidade em comum pode não ser suficiente para impedir o ódio
quarta-feira, 2 de setembro de 2020
Considerações sobre a campanha Setembro Amarelo
Setembro é o mês da campanha Setembro Amarelo, criada em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) juntamente com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Desde então, neste mês são organizados eventos e discussões por todo o país sobre saúde mental com foco na prevenção do suicídio. A ideia que embasa a campanha é que falar sobre suicídio - e, mais amplamente sobre saúde mental - de alguma forma contribuiria, direta ou indiretamente, para a redução dos casos. A grande questão é que esta ideia não está comprovada de forma alguma - existe a possibilidade, inclusive, de que a ampla discussão sobre o tema possa contribuir para o aumento nos casos de suicídio. Um estudo publicado este ano avaliou os índices de suicídio no Brasil antes e após o início da campanha, em 2015. E a conclusão dos autores é que houve um aumento - mesmo resultado obtido por um outro estudo, publicado em 2018, que analisou os índices de suicídio antes e após a implementação da campanha Setembro Amarelo no Estado de Santa Catarina. Não se pode inferir destes resultados, contudo, que foi ou teria sido a campanha a responsável por tais aumentos, mas é possível sugerir que a campanha não foi tão útil na prevenção do suicídio como se imaginava e se pretendia. Certamente o suicídio tem relação com muito mais questões do que a campanha, logo não dá para apontar qualquer relação de causalidade, apenas correlações. Mas para além de sua eficácia ou ineficácia, meu principal incômodo com a campanha Setembro Amarelo está na visão, amplamente disseminada, de que a "prevenção do suicídio" diz respeito basicamente à contribuir para que as pessoas procurem apoio psicológico e (especialmente) psiquiátrico. O problema do suicídio é bem mais profundo e complexo do que o problema de como incentivar as pessoas em sofrimento a buscar ajuda ou tratamento, pois ele diz respeito à indagação fundamental de se a vida vale ou não a pena ser vivida. E esta indagação é sempre atravessada por inúmeras questões, tanto individuais como sociais. "Mas então" - alguém pode estar se perguntando - "você propõe que não se faça nada e que apenas observemos passivamente o aumento nas taxas de suicídio?". De forma alguma. Apoio totalmente ações e eventos voltados para a discussão da saúde mental - sem o foco no suicídio e também sem aquele viés patologizante e medicalizante típico de grande parte das iniciativas - assim como o incentivo à procura por apoio profissional, que mesmo não sendo uma panaceia pode contribuir para minimizar o problema. E penso que estas ações deveriam ocorrer ao longo de todo o ano, e não concentradas em um único mês. Mas também acredito que outras iniciativas deveriam vir junto, como o apoio à políticas de emprego e renda, à políticas ampliadas e não-excludentes de saúde mental, à políticas de proteção dos direitos humanos e de combate às opressões, dentre muitas outras políticas voltadas para a melhoria das condições de vida e saúde da população. Da mesma é fundamental se opor com veemência à políticas de facilitação do acesso a armas de fogo - que comprovadamente contribuem para o aumento nas taxas de suicídio - e à tantas outras necropolíticas que tem se multiplicado pelo Brasil nos últimos anos. Na minha visão, fazer cartazes com frases motivacionais e organizar palestras sobre saúde mental terá sempre um efeito muito pequeno, talvez nulo, se tais iniciativas não vierem acompanhadas de políticas e ações concretas que contribuam para que a vida realmente valha a pena ser vivida.
quinta-feira, 28 de maio de 2020
O tempo e o vazio: reflexões sobre o tédio
Um primeiro apontamento do autor é que o tédio seria, em sua visão, um fenômeno moderno. Para Svendsen "o tédio só passou a ser um fenômeno cultural central há cerca de dois séculos. É impossível, claro, determinar quando ele surgiu. Ademais, naturalmente teve precursores. Mas ele se destaca como um fenômeno típico da modernidade". Não é muito difícil entender o porquê. O tédio, tal como ele se manifesta em cada um de nós, tem relação com o excesso de opções e estímulos típico da vida moderna. Em contextos mais simples, menos agitados e estimulantes - tente imaginar, por exemplo, a vida de um agricultor na zona rural de uma pequena cidade do interior - é provável que as pessoas experimentem o sentimento de tédio com menor frequência e intensidade do que aquelas que vivem em contextos mais atribulados e frenéticos, como aqueles típicos das grandes cidades modernas. E o motivo é que a relação com o tempo, nos dois casos, é completamente diferente. No primeiro caso, não há a cobrança - e a autocobrança - de que todo o tempo seja utilizado de uma maneira significativa e útil. Um certo ócio contemplativo após o período de trabalho é visto como algo saudável e mesmo necessário. O passar do tempo, nesse caso, tende a ser experimentado de forma mais lenta - sem que isso seja visto como algo incômodo e entendiante. Já no segundo caso, isto é, no contexto de frenesi que muitos de nós vivemos, há a cobrança - e a autocobrança - de que todo o tempo seja utilizado de uma maneira útil. O ócio e a contemplação, de uma forma geral, são vistos como empecilhos para uma vida significativa. O problema é que é muito difícil utilizar todo o tempo que dispomos de um forma significativa e útil - e o tédio costuma aparecer justamente quando não conseguimos ver sentido, significado e utilidade naquilo que estamos fazendo em determinado momento. O tédio normalmente se manifesta quanto temos muitas opções de coisas para fazer mas não queremos fazer nada - ou melhor, não vemos sentido em nada. Como afirma Svendsen, o tédio deve ser entendido basicamente como uma ausência, "uma ausência de significado pessoal". Quando estamos entediados, nada faz sentido, nem as opções que temos diante de nós e nem a própria vida.
Mas a grande questão é saber se esta busca por novidades e atividades de fato funciona para se fugir do tédio - ou se, pelo contrário, não há fuga possível e estamos fadados a voltar ao tédio tal qual Sísifo acaba por sempre retornar à base da montanha. E a resposta mais plausível é que, de forma temporária, é sim possível escapar do tédio. Quando nos envolvemos em determinadas atividades - ou mais precisamente naquilo que Svendsen chama de "corrida desordenada às diversões e ao lazer" - conseguimos às vezes e por algum tempo escapar do vazio e da falta de sentido que caracterizam o tédio - como afirma o psicanalista Erich Fromm no livro Do amor à vida (1986), "podemos temporariamente varrer o nosso tédio para debaixo do tapete tomando um tranquilizante, ou bebendo, ou indo ao coquetel após o outro, ou brigando com nossas mulheres, ou recorrendo aos meios de comunicação de massa em busca de diversão, ou devotando-nos à atividade sexual". Mas a questão é que não conseguimos e não conseguiremos escapar definitivamente do tédio. E o motivo é que se são as novidades (algumas novidades) que nos tiram momentaneamente do tédio, em pouco tempo a novidade deixa de ser novidade e o tédio retorna. Como aponta Svendsen, "quando nos jogamos sobre tudo que é novo, é na esperança de que o novo seja capaz de ter uma função individualizante e de dotar a vida de um significado pessoal; mas tudo que é novo logo se torna velho, e a promessa de significado pessoal nem sempre é cumprida – pelo menos, não mais que apenas no momento presente. O novo sempre se transforma rapidamente em rotina, e, então, também o novo entedia, pois é sempre o mesmo" Na visão do autor não há propriamente um remédio ou uma cura para o tédio, apenas sua aceitação. Como bem aponta Svendsen ao final do livro, "é preciso aceitar o tédio como um dado incontornável, como a própria gravidade da vida. Não é uma solução grandiosa - mas não há solução para o tédio".