Em artigo publicado no último dia 3 de Março no periódico Psychological Review - denominado The practical and principled Problems with educational neuroscience [Os principais e práticos problemas com a neurociência educacional], o professor Jeffrey Bowers, da Universidade de Bristol (Inglaterra), simplesmente coloca por terra as principais alegações dos defensores do subárea da neurociência educacional - também chamada de neuroeducação - de que os novos insights sobre o cérebro podem contribuir para o aperfeiçoamento do ensino em sala de aula - na verdade o pesquisador questiona até mesmo se os tais "novos insights" são de fato novos. Como analisei extensamente no meu livro "O cérebro vai à escola" (saiba mais aqui), o principal argumento daqueles que defendem a aproximação entre neurociências e educação, sejam neurocientistas ou educadores, é que entender o cérebro poderia favorecer o desenvolvimento de abordagens educacionais mais eficazes, capazes de potencializar a aprendizagem do estudante. Não é o que pensa Bowers, que é professor da Escola de Psicologia Experimental da Universidade de Bristol. Segundo ele, a neurociência educacional não traz nenhuma contribuição nova ou no mínimo útil para o campo educacional. Entender o cérebro, para Bowers, é simplesmente irrelevante para se conceber qualquer estratégia ou prática de ensino. Tentarei explicar abaixo as suas razões para pensar desta forma.
Para o pesquisador, as justificativas apontadas pelos defensores da aproximação entre neurociências e educação podem ser divididas em: 1) triviais, 2) enganadoras e 3) injustificáveis. Dentre as justificativas triviais estariam enunciados banais, que todos os educadores de alguma forma já sabem, ou melhor, já saberiam sem os tais "novos insights" das neurociências. Por exemplo, dizer que a neurociência contemporânea demonstrou que o cérebro é plástico e que, portanto, a aprendizagem é possível na vida adulta e ao longo da vida, é uma falácia segundo Bowers, pois há tempos os educadores já sabem que a aprendizagem é possível para além da infância - de outra forma, porque teriam sido feitos maciços investimentos na formação de jovens e adultos? Além disso, a ideia de que a plasticidade é uma descoberta contemporânea é também falaciosa, pois desde o final do século XIX pesquisadores defendem a ideia e reúnem evidências de que o cérebro se transforma ao longo do tempo e em função de mudanças no ambiente. O que de fato tem de novo é a "descoberta" de que a neurogênese - ou seja a formação de novos neurônios - ocorre em algumas partes do cérebro de indivíduos adultos. Mas a "descoberta" da neuroplasticidade nao é de fato nova. Na verdade, não houve nem propriamente uma descoberta. Como aponto no meu livro, "o conceito de neuroplasticidade foi sendo construído no decorrer dos séculos XIX e XX, não havendo propriamente uma descoberta, mas sim um acúmulo de evidências, advindas de diversos campos, de que o cérebro seria capaz de se modificar". Tudo isto significa que a afirmação de que as neurociências descobriram que a aprendizagem pode acontecer ao longo da vida não é verdadeira - além de ser trivial. Da mesma forma como seriam triviais as afirmações - supostamente neurocientíficas - de que o stress, o medo, a desnutrição, os abusos e negligências prejudicam o aprendizado ou de que, pelo contrário, uma dieta adequada, uma boa noite de sono, motivação, exercícios fisicos e um ambiente rico podem favorecer a aprendizagem. Tais afirmações, embora possam parecer novas quando enunciadas por neurocientistas, de fato nada trazem de novo que os educadores de alguma forma já não soubessem. São, como diriam os psicólogos Sally Satel and Scott Lilienfeld, neuroredundâncias.
Já as justificativas enganadoras seriam aquelas que, apesar de serem vendidas como neurocientíficas, são na verdade embasadas em dados e pesquisas comportamentais ou psicológicas e não cerebrais - e como exemplo, ele cita estudos neurocientíficos sobre aprendizagem matemática que no máximo corroborariam, mas nem de fato comprovariam, estudos e conclusões comportamentais já bem estabelecidos na literatura científica. Neste caso, tratar-se-ia de uma estratégia que Bowers poderia ter chamado de "vender gato por lebre", pois embora as afirmações pareçam provir de pesquisas neurocientíficas, na verdade provém iminentemente de pesquisas do campo psi (um exemplo que ele não citou mas que poderia ter citado é a ideia de que existem diversos tipos de memória, como a memória de trabalho, de curto e de longo prazos. Este entendimento não é resultado de descobertas neurocientíficas, como alguns autores disseminam por aí, mas de reflexões e pesquisas do campo da psicologia cognitiva). E é neste sentido que o pesquisador afirma as neurociências só poderão efetivamente contribuir com a educação quando forem além daquilo que já está bem estabelecido pela psicologia. De outra forma, continuarão a ser mais do mesmo. Embora pareçam novidade, de fato grande parte das pesquisas em neurociência educacional, nada trazem de novo - nem para o conhecimento sobre a aprendizagem e muito menos para as práticas educacionais. Finalmente, o autor aponta para as justificativas injustificáveis, que são aquelas baseadas em deturpações de pesquisas e teorias neurocientíficas ou em conclusões que não advém propriamente do campo da neurociência. Exemplos disso seriam alegações sem embasamento científico como as de que usamos apenas 10% do cérebro ou de que possuímos uma dominância cerebral esquerda ou direita ou ainda de que cada um de nós possui um estilo de aprendizagem predominante. O autor aponta, no entanto, que ainda que o campo da neuroeducação se proponha a combater tais "neuromitos", ele também acaba por disseminar outros mitos - o que, de alguma forma, enfraquece tal combate.
Bowers também critica a ideia de que embora a neurociência ainda tenha pouco a contribuir com o campo educacional, no futuro isto será diferente. Segundo ele, o problema fundamental não está na qualidade da neurociência atual, mas nas "falhas lógicas" que motivam a neurociência educacional - e que estão ligadas ao fato de que as neurociências são incapazes, por sua própria "essência", de construir estratégias educacionais concretas. O campo neurocientífico poderia - e de fato pode - contribuir para um entendimento sobre como o cérebro funciona quando aprendemos algo - ou quando temos dificuldades em aprender - mas isto não é de forma alguma suficiente para a construção de novas e melhores estratégias educacionais. Haveria uma distância enorme e provavelmente intransponível entre os estudos de laboratório feitos pelos neurocientistas e a prática de sala de aula efetivada pelos educadores. Isto significa que, ao contrário do que pregam os partidários da neuroeducação, a neurociência não pode e talvez jamais possa contribuir diretamente para a construção de práticas educacionais. Como conclui Bowers "é difícil ver como a neurociência poderá algum dia melhorar o aprendizado em sala de aula".
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